Vai E Vem Come and Go

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00:00:19 VAI E VEM
00:02:30 Os pombos não comem fígado.
00:02:35 Não te metas na vida alheia
00:07:00 O senhor dá-me um cigarro?
00:09:25 Foi daqui que puseram um anúncio?
00:09:28 Pus um anúncio.
00:09:30 Mulher-a-dias precisa-se.
00:09:34 A menina não parece
00:09:38 Depende do que se entende
00:09:42 No sentido corriqueiro
00:09:45 É uma pessoa humana.
00:09:47 É uma pessoa humana
00:09:49 que a troco de uma remuneração,
00:09:52 por via da regra modesta,
00:09:54 presta serviços domésticos.
00:09:57 Também são pedidas referências.
00:10:00 É o costume. No entanto,
00:10:03 as melhores referências
00:10:07 Está dispensada de mas dar.
00:10:11 Só um cego é que não vê
00:10:15 a mundícia que lhe vai na alma.
00:13:42 O único óbice que estou a ver
00:13:49 - e de pouca monta, diga-se já -
00:13:53 é que a menina...
00:13:56 Qual é a sua graça?
00:13:58 Adriana.
00:14:00 Que engraçado!
00:14:04 Tive uma Rhode lsland Red
00:14:08 Mau feitio, cacarejante
00:14:13 mas poedeira exuberante,
00:14:17 magnífica.
00:14:19 Coitada!
00:14:21 Também o cu
00:14:23 Lá isso...
00:14:25 É provável que a classe patronal
00:14:29 continue arreigada
00:14:32 mas não imagino a menina
00:14:36 a esfregar as vidraças.
00:14:39 Eu não sou da velha guarda,
00:14:41 se é isso que pretende saber.
00:14:44 Confianças não dou.
00:14:47 Ai queres abusar?
00:14:54 Estou um pouco aturdido. É só.
00:15:00 A casa, já se vê,
00:15:03 é séria,
00:15:08 Eu, claro está,
00:15:11 estou aposentado
00:15:14 e vivo sozinho
00:15:18 Um toque feminino aqui,
00:15:20 um toque feminino acolá,
00:15:23 suaviza este triste viver
00:15:26 de quem da vida já nada tem a esperar,
00:15:29 já nada tem a temer.
00:15:33 Para ser franco,
00:15:36 esperava uma pessoa mais idosa,
00:15:39 com as mãos calejadas por longa
00:15:45 Já lá vai o tempo
00:15:49 arrasou o empiriocriticismo
00:15:53 Isso foi antes de,
00:15:57 A chama do comunismo é imorredoira.
00:16:01 Eu sou vermelha
00:16:06 dos pés
00:16:10 à cabeça.
00:16:12 Eu sou viúvo.
00:16:15 Não à morte. Cantaremos.
00:16:25 - Quando é que começamos a lida?
00:16:28 Cavalheiro ou camarada?
00:16:32 Cavalheiro, enquanto a terra
00:16:37 Temos que nos dar ao respeito,
00:16:40 mas se quiser
00:16:42 trate-me
00:16:47 Trocado por miúdos...
00:16:49 - João Vuvu.
00:16:52 Credo! E isso é nome?
00:16:56 É nome
00:16:58 e de uma antiquíssima
00:17:02 Mas o cavalheiro de preto
00:17:09 Só comecei a ser injuriado
00:17:13 Por falar em injuriado,
00:17:16 ainda não ajustámos as condições...
00:17:19 Pago mal
00:17:21 para manter acordada
00:17:25 Eu dou tudo ao Partido
00:17:28 e saberei
00:17:31 os tratos de polé.
00:17:35 E se eu mais der a cerviz
00:17:39 duros, tiranos e urgentes,
00:17:42 risque-se quanto já fiz
00:17:48 E tomando já na mão
00:17:51 a lira santa e capaz
00:17:57 cale-se esta confusão,
00:18:00 cante-se a visão da paz.
00:18:02 É do camarada Saramago?
00:18:05 É do cavalheiro Camões.
00:18:08 Super lumina Babilónia...
00:18:11 Sôbolos rios que vão por Babilónia...
00:18:16 Já cantaram isso na festa do Avante.
00:18:24 Sabe passajar peúgas com ovo?
00:18:30 Tipo gemada?
00:18:37 Mais tipo agulha e didal".
00:18:40 costura antiga.
00:18:44 Não há morte.
00:18:49 Cantaremos.
00:20:15 Pisca, pisca,
00:20:18 olhinhos de lavandisca.
00:20:22 Com a nossa falta de jeito,
00:20:24 mais depressa passará
00:21:02 Até ao fundo.
00:21:05 Estou a tentar.
00:21:19 Segure aqui.
00:21:50 Para as crianças do bairro.
00:21:53 Antevejo grandes jogatanas.
00:28:21 Vuvu, Vuvu...
00:28:36 Estou com o sangue.
00:28:42 Preciso de mel para barrar a cona.
00:29:01 Vinde, abelhinhas,
00:29:05 dai-lhe mel pelos beiços...
00:29:25 Bom-dia, senhor João.
00:29:27 Está a olhar para ontem?
00:29:29 Bons olhos a vejam, menina Custódia.
00:29:32 Nem tinha dado por si.
00:29:34 Neste ontem que foi hoje
00:29:39 Com uma manhã tão linda,
00:29:43 Sem olhos vi o mal claro
00:29:48 pois cara-sem-olhos viu
00:29:53 D'olhos não faço menção,
00:29:56 pois quereis qu'olhos não sejam;
00:30:01 vendo-vos, olhos sobejam,
00:30:05 não vos vendo, olhos não são.
00:30:09 Seja bem aparecida.
00:30:12 Vai de abalada
00:30:15 Lá terá que ser.
00:30:17 Tenho estado de férias em Paris.
00:30:20 Sim, senhora.
00:30:23 Paris étoujours Paris.
00:30:25 Subi até ao topo da torre Eiffel,
00:30:28 com todas aquelas luzinhas
00:30:30 mas ninguém me reconheceu.
00:30:36 É íngreme e árdua
00:30:41 É preciso perseverar.
00:30:43 Começaram logo a fazer pouco
00:30:47 que tinha ganho o título
00:30:51 E sem espinhas. Era a mais bela.
00:30:55 Realmente, fui amplamente sufragada.
00:30:59 O que é bom na freguesia das Mercês,
00:31:04 é bom nos Champs-Elysées.
00:31:40 Vamos combinar assim:
00:31:43 Envolta
00:31:48 rutilantes,
00:31:50 a menina adeja sobre eles
00:31:55 eu, Custódia,
00:31:57 prodigalizo
00:33:39 Fausta!
00:33:42 Há que anos...
00:33:44 Sempre à coca, sempre o mesmo...
00:33:48 Alguém me disse
00:33:51 Acabei por não ir. E tu?
00:33:55 Vou até à Assembleia.
00:34:00 - Deputas?
00:34:05 Mas nunca foste muito brocheira.
00:34:09 É melhor que o lntendente.
00:34:11 Não tem comparação.
00:34:13 É outro asseio,
00:34:15 sem olvidar imunidades
00:34:19 Tive bons mestres.
00:34:21 " A arte consiste em passar
00:34:24 a prova do prepúcio". Lembras-te?
00:34:28 Acho que já me esqueci.
00:34:31 Agora sou viúvo.
00:34:33 Estou de luto e não deputo.
00:34:36 Fartei-me de rir. Parece que pintaste
00:34:41 Qual funeral, qual carapuça!
00:34:44 Não estava morta a minha Hortênsia;
00:34:47 adormecida, sim.
00:34:50 Aquela impostura mortuária
00:34:52 foi tudo obra da família.
00:34:55 Ardente e palpitante,
00:34:59 a fonte da vida
00:35:02 ansiando rebaldarias,
00:35:05 saracoteios canalhas.
00:35:08 O quê? Mexeste-lhe na cona?
00:35:11 É, esse, um sítio onde,
00:35:16 Nunca como cão raivoso
00:35:19 passei por vinha vindimada.
00:35:22 Tudo o que ainda posso desejar
00:35:25 é uma viuvez regalada,
00:35:27 em tudo digna das melhores valsas.
00:35:37 Deves-lhe ter feito a vida negra.
00:35:40 Mais negra do que já é?
00:35:44 Vocês tinham um filho, não tinham?
00:35:47 O Jorge? Está no chilindró a ver
00:35:54 Mas não cometeu nenhum crime...
00:35:57 Então não havia de ter cometido?
00:36:01 E parece que com mão de mestre.
00:36:26 Coitado!...
00:36:33 Coitado?
00:36:35 O velho progenitor
00:36:40 e, como não lhe deram cem anos
00:36:44 quando tiver pago
00:36:48 está cá fora e tem
00:36:54 Só espero é que não me roa a corda,
00:36:57 mas aquilo é uma jóia de rapaz,
00:37:00 atilado
00:37:04 - tem a quem sair -
00:37:06 Não há-de ser um ingrato.
00:37:09 Estou certo e seguro
00:37:13 aos sacrifícios cá do velhote.
00:37:16 Não me canso de o seringar:
00:37:19 Filho és, pai serás;
00:37:23 assim como fizeres, assim acharás.
00:37:33 ó rico filho,
00:37:36 ó belo moço:
00:37:40 Eu quero folgar,
00:37:42 Eu quero folgar
00:37:53 Ainda me dá p'ra aqui uma macacoa.
00:37:56 Já não tenho idade
00:37:59 Homem pequenino,
00:38:03 Ai menina:
00:38:08 está de ananases.
00:38:14 Misteriosos
00:38:17 e vagos, depois das chuvas.
00:38:29 Anda daí:
00:38:31 convido-te para uma tisana
00:38:34 fresquinha e bem perfumada.
00:38:38 Afina-te os garganteios
00:38:42 e põe-te trinados de toutinegra.
00:38:44 Sou uma mulher comprometida.
00:38:50 Chegues à hora que chegares
00:38:53 és sempre tu que dás a música.
00:38:57 Faz-te rogada.
00:38:59 Deixa-os a aboborar,
00:39:03 deixa-os a ganir:
00:39:08 Que derretam as enxúndias
00:39:14 que derramem os licores
00:39:16 nas cariátides
00:39:21 Por voltas e voltas que dê,
00:39:24 essa gente nunca sabe a quantas anda.
00:39:28 Por muito que dos repúblicos se diga
00:39:31 o que Mafoma nunca disse do toucinho
00:39:34 aquilo também não é,
00:39:36 no próprio, no figurado
00:39:40 e no desregramento
00:39:43 nenhuma destilaria.
00:39:50 A minha alma está parva.
00:39:53 Levas-me para cada sítio!...
00:39:56 Não tinha nada de extravagante:
00:39:58 a casa pertence à congregação
00:40:03 e graças ao serviço voluntário
00:40:07 angaria fundos que se destinam
00:40:12 O padreca é que ensarilhou tudo:
00:40:17 são séculos de intolerância tutelada
00:40:23 Resta-lhes a pedofilia:
00:40:26 o arcebispo de Milwaukee,
00:40:29 o padre Frederico, etc.
00:40:33 Parece que estive
00:40:36 Tens essa impressão de irrealidade
00:40:38 porque estiveste, de facto,
00:40:41 no outro mundo, mas não te preocupes:
00:40:44 regressaste viva
00:40:49 Cheirava a mofo.
00:40:51 É o cheiro do mundo das quimeras.
00:41:05 Salud y deputaciónes.
00:41:10 À tua.
00:41:15 Pelo menos,
00:41:19 É uma pequena concessão
00:41:23 A única, aliás.
00:41:25 É bom que haja alguém
00:41:28 Não têm feito outra coisa
00:41:31 À falta de melhor,
00:41:34 até engenhocaram
00:41:38 A vida foi sempre má para os pobres.
00:41:41 Por isso é que se lembraram
00:41:42 de enfiar uma grande patranha
00:41:47 a quem a mulher, uma puta judia,
00:41:52 Que não desse ouvidos,
00:41:57 que o caso não era de repúdio,
00:42:01 Tinha havido, é certo,
00:42:05 obra de uma pomba,
00:42:07 mas estava tudo nos conformes,
00:42:10 em estado de graça.
00:42:13 Mais e melhor:
00:42:16 enquanto a aldeola
00:42:20 convenceram o néscio
00:42:22 que a boa-nova
00:42:28 finalmente, coisa nunca vista,
00:42:31 ia nascer o filho de Deus.
00:42:36 Tarde piaste,
00:42:38 arrepelava-se José,
00:42:43 ó Maria,
00:42:45 descobrimos a imaculada fornicação
00:42:48 e esqueci-me de apontar a fórmula.
00:42:52 Olhou de soslaio
00:42:56 fez a trouxa e abalou com a mulher
00:43:00 Talvez tenha deitado contas à vida
00:43:04 que não ganhou para o susto.
00:43:07 O bendito fruto fez-se homem
00:43:11 e como qualquer pantomineiro
00:43:14 Iimitou-se a papaguear a lengalenga
00:43:17 que todos já estavam fartos de saber:
00:43:21 que esta vida é um vale de lágrimas.
00:43:24 - Morreu na cruz.
00:43:28 e com grande alarido.
00:43:31 Só ao fim de três dias
00:43:36 e logo arranjaram modo
00:43:39 para que a farsa acabasse em bem.
00:43:41 Bem para ele e ainda melhor para nós.
00:43:44 Faltavam umas rezas
00:43:47 para edulcorar a outra vida,
00:43:51 só dele bem conhecida,
00:43:56 por lá ter estado
00:44:00 Nessa, sim,
00:44:02 é que iria ser bom,
00:44:04 um mar de rosas, um regabofe
00:44:09 e por que não?
00:44:11 Um encher até mais não,
00:44:18 E qual é a solução?
00:44:21 Não há.
00:44:24 O suicídio é uma solução?
00:44:27 Se é,
00:44:29 e há quem defenda que é,
00:44:32 Só o problema é interessante,
00:44:37 e o ser humano,
00:44:41 tem que ser capaz de viver
00:44:49 Há tempos,
00:44:51 quando andava absorvido
00:44:54 no périplo etíope,
00:44:58 entrei numa farmácia
00:45:01 para aviar um rol extenso,
00:45:08 Revulsivos:
00:45:11 álcool canforado.
00:45:14 Sinapismos:
00:45:15 amoníaco ou álcali volátil,
00:45:19 farinha de mostarda,
00:45:23 Analgésicos:
00:45:25 antipirina,
00:45:26 bálsamo tranquilo,
00:45:28 Iáudano de Sydenham.
00:45:31 Vomitivo:
00:45:33 ipecacuanha.
00:45:35 Purgativos:
00:45:37 maná,
00:45:39 magnésia calcinada,
00:45:42 óleo de mamona,
00:45:45 sulfato de soda,
00:45:47 ruibarbo. Estípticos:
00:45:50 naftol-Beta,
00:45:52 bismuto (subnitrato).
00:45:55 Antifebril: quinino.
00:45:59 Soporíferos:
00:46:02 cloral, sulfonal;
00:46:05 Anti-sépticos:
00:46:08 mercurocromo, água oxigenada.
00:46:13 algodão hidrófilo,
00:46:17 adesivo, nitrato de prata,
00:46:20 álcool, éter,
00:46:22 Iinhaça, bicarbonato de soda,
00:46:24 vaselina, talco, glicerina.
00:46:28 Dever ter gasto uma fortuna.
00:46:31 Não olhei a meios.
00:46:33 O corno de África
00:46:37 Preparei a expedição
00:46:40 sem descurar o mais ínfimo pormenor.
00:46:46 Pensaste em tudo.
00:46:50 Não era para mim.
00:46:54 Era para impressionar os abexins.
00:46:57 Ocorreu-me que seria bem recebido
00:47:02 em clima de festa.
00:47:04 "Só pele e osso.
00:47:07 Quando estiver queimado é um etíope
00:47:12 Em sinal de gratidão
00:47:17 eu abria a mala,
00:47:19 distribuía os fármacos
00:47:22 e punha-me a sarar-lhes as feridas.
00:47:26 Estou a tentar imaginar-te
00:47:28 imbuído de verdadeiro espírito
00:47:32 mas, Deus me perdoe,
00:47:33 só consigo ver-te agarrado ao primeiro
00:47:37 Dizem que são muito bonitas e feitas
00:47:40 Ah, sim?
00:47:42 - Não lhes tenho ouvido o choro.
00:47:48 Quem chora ao pé de quem chora,
00:47:54 Com o teu melhor punho
00:47:57 garroteias
00:48:00 o tronco peniano
00:48:03 para que o fluxo sanguíneo
00:48:06 se comprima
00:48:11 Quando esta se apresentar
00:48:13 rúbida e tumefacta,
00:48:17 seguras a pele do prepúcio
00:48:20 com a ponta do polegar
00:48:23 e do indicador
00:48:26 e sopras-lhe para dentro,
00:48:31 conservando-a sempre muito esticada
00:48:35 e hermeticamente colada aos lábios,
00:48:40 do mesmo golpe, cuspinhando...
00:48:45 ... depressa e bem,
00:48:51 Tapas muito bem tapadinha
00:48:55 e deixas o todo murchar
00:49:00 E o parlamentar?
00:49:03 Lavrará o seu protesto.
00:49:06 É uma questão de tempo.
00:49:10 Já lhe falece
00:49:12 o ímpeto falocrático,
00:49:16 não evita a sofreguidão
00:49:21 " Então, amor, não chupas?"
00:49:25 - E não chupo?
00:49:28 Era o que faltava.
00:49:30 Explicas-lhe, com bons modos,
00:49:34 que na China ninguém chupa,
00:49:36 que essa prática é mais própria
00:49:41 que de seres finamente civilizados.
00:49:45 Neste passo,
00:49:47 o tribuno vacila,
00:49:49 entaramela-se-lhe a voz,
00:49:52 quer gritar pela mãe, mas não pode:
00:49:56 tem a minhoca à mercê,
00:49:59 escancarada à rés pública.
00:50:04 A democracia está salva,
00:50:07 ou, pelo menos,
00:50:09 o que dela resta,
00:50:14 Que após acesa discussão,
00:50:19 dura batalha no hemiciclo, legislem:
00:50:23 "O broche chinês,
00:50:26 "também designado por brochim,
00:50:29 "devido à sua remota origem asiática,
00:50:33 "é especialmente recomendado
00:50:36 " para senhoras ou meninas
00:50:40 "que não se sentem cativadas
00:50:45 " ressalvando que os incentivos
00:50:49 "que, no âmbito comunitário,
00:50:52 "devem inserir-se numa rigorosa
00:50:59 "das indústrias
00:51:02 " pelo que o seu exercício
00:51:05 "será obrigatoriamente orientado
00:51:10 " por profissionais altamente
00:51:14 "e com sobejas provas dadas
00:51:17 "em tão laboriosa e intrincada
00:51:23 A velha puta
00:51:26 pode, enfim, sorrir.
00:51:36 Quando é que nos voltamos a ver?
00:51:39 Quando formos
00:51:42 Por ora, hesitamos como toda a gente.
00:51:47 Aqui entre nós,
00:51:49 e não deixa de ser engraçado,
00:51:52 o brochim é o broche dos broches,
00:51:59 Mas esta gentalha nunca o saberá.
00:52:03 Para a corja,
00:53:06 Não sou capaz de tirar
00:53:35 O ferro está frio.
00:53:43 E agora?
00:53:46 - Espera-se que aqueça.
00:53:49 Só se me puser toda nua.
00:53:56 Talvez não seja necessário.
00:54:00 A bata é bastante fresca
00:54:02 e como convém borrifar o tecido,
00:54:06 pode aproveitar para refrescar
00:54:31 Debaixo dos sovacos é que é o pior.
00:54:43 Estão perlados de gotículas de suor.
00:55:01 - Que faz?
00:55:05 - E a menina a dar-lhe!
00:55:07 Nenhum,
00:55:09 o que torna o acto vergonhoso.
00:55:25 Os pintores etíopes
00:55:27 representavam
00:55:31 em sumptuosas vestes.
00:55:34 Depois de saborearem
00:55:37 Deus penhorou-lhes tudo o que tinham
00:55:40 e deu-lhes ordem de despejo
00:55:44 Deixados em estado de nudez,
00:55:47 foram reduzidos à mais negra
00:55:50 e ignominiosa miséria.
00:55:53 Amargaram-nas.
00:56:01 Nem sequer.
00:56:04 Deus nunca foi grande espingarda.
00:56:06 Era melhor ter acabado de vez
00:56:09 Morre o bicho, acaba-se a peçonha.
00:56:12 Deus era um pouco néscio
00:56:15 e não previu que a liberdade do acto
00:56:20 os tornara iguais
00:56:25 Matá-los seria o mesmo
00:56:29 O mal estava feito e era irreparável.
00:56:33 A única saída era condená-los à vida.
00:56:38 Uma limonada?
00:57:15 Senhor João!
00:57:29 Pregou-me um susto.
00:57:31 Julguei que tivesse acontecido
00:58:02 Antigone with the wind.
00:58:05 Estou despedida?
00:58:09 Não.
00:58:13 Suspendem-se os trabalhos
00:58:16 e bebemos limonadas.
00:59:26 Narcisa, Narcisa,
00:59:30 a baronesa do camarão.
00:59:33 Sempre descalça,
00:59:36 sequer umas tamanquinhas.
00:59:40 Era um regalo vê-la atravessar
00:59:46 uma das mãos sossegando
00:59:49 a outra, inabalável, no quadril.
00:59:55 " Ai merca as pichas!..."
00:59:59 apregoava
01:00:02 saído das profundezas dos gorgomilos.
01:00:05 Livra! E havia crianças?
01:00:09 Eu era uma criança.
01:00:12 E ninguém fazia nada?
01:00:14 Por causa das pichas?
01:00:17 Na minha terra, chamavam-se " pichas"
01:00:22 O humílimo crustáceo desapareceu
01:00:26 e, por isto ou por aquilo,
01:00:28 o vocábulo caiu em desuso.
01:00:31 E como é que chamavam às pichas?
01:00:35 Pichas,
01:00:39 Talvez porque ninguém mais as comeu.
01:00:42 Talvez.
01:00:50 Narcisa, Narcisa...
01:00:53 a baronesa do camarão.
01:00:58 Talvez a mãe das pichas se tenha
01:01:02 e ido desovar para águas
01:01:21 Abriram as cloacas muito cedo.
01:01:27 Não me cheira.
01:01:30 Não lhe cheira, como? Com um nariz
01:01:34 Ouve, ouve, ouve o clamor
01:01:40 Se os pretos, de acordo
01:01:44 merecem morrer, regressar às cubatas,
01:01:48 considere a lei penal a existência
01:01:50 de um princípio subjacente,
01:01:55 que, onde esta é omissa,
01:01:59 a legitimidade de um direito punitivo.
01:02:03 Substitua-se de vez
01:02:05 a velha máxima
01:02:09 que é obsoleta, pela máxima
01:02:14 Substitua-se de vez
01:02:17 o conceito de delito formal
01:02:20 É preto e basta, está tudo dito.
01:02:25 Só assim poderemos ajudar
01:02:33 Não percebo as razões
01:02:37 É certo
01:02:39 que a sua arenga
01:02:43 no Código Penal do Terceiro Reich,
01:02:46 mas ainda hoje,
01:02:51 Ihe dá, a seu bel-prazer, boa usança.
01:02:58 Quem jogou futebol
01:03:00 com cabeças de terroristas ou afins...
01:03:04 Lembra-se, lembra-se do Nataniel
01:03:09 Formávamos uma asa temível.
01:03:11 Enfrentámos uma equipa
01:03:14 éramos imbatíveis.
01:03:16 À boca da baliza Nataniel
01:03:19 de cima para baixo, como mandam
01:03:29 Quem exemplarmente enfiou cocos
01:03:33 para que os ovos do inimigo
01:03:38 sabia já que a Pátria ardia às mãos
01:03:40 de vendilhões sem escrúpulos.
01:03:43 Também o senhor Vuvu, por quem eu
01:03:48 vendeu os seus ideais
01:03:52 e uma reforma miserável.
01:03:56 Não tenho reforma,
01:03:59 e lentilhas nem com molho de tomate.
01:04:02 Uma coisa é certa:
01:04:05 a barbárie anuncia sempre
01:04:19 Sente-se.
01:05:37 Demasiado tarde.
01:07:01 Santinho!
01:07:03 Sou alérgica.
01:07:05 Os ácaros não perdoam
01:07:08 e a pituitária dá logo de si.
01:07:14 Tenho que arranjar
01:07:18 para pôr cobro aos atchins.
01:07:40 Para que é tanto livro?
01:07:45 Nem de longe nem de perto.
01:07:48 - Os livros não são para ler.
01:07:52 Fazem-me companhia
01:07:54 e dão menos trabalho que um cão.
01:07:57 Se não contarmos com o pó...
01:08:00 O pó está em toda a parte
01:08:05 Os livros guardam segredos
01:08:11 Desça ao povoado, menina Jacinta,
01:08:14 e venha comer as papas.
01:08:28 Polvilhe-as com açúcar.
01:08:42 Comida de pobre:
01:08:47 farinha de milho diluída em água,
01:08:51 uma pitada de sal grosso,
01:08:53 um fio de azeite.
01:08:55 Dez minutos de fogo brando,
01:08:58 mexendo de quando em vez
01:09:00 depois de levantarem fervura.
01:09:03 Nada mais simples,
01:09:06 embora de fraco valor nutriente.
01:09:12 São boas.
01:09:14 São boas se contarem a história
01:09:21 - Umas gotinhas de leite?
01:10:21 Estou empanturrada.
01:10:35 O senhor João não acha
01:10:38 Nem sequer sei a idade da menina...
01:10:41 Vinte e três.
01:10:44 É um bocadinho, mas não se apoquente
01:10:48 Tem os vinte e tem os três.
01:10:53 E está contente
01:10:56 Contente, como?
01:10:59 Contente comigo.
01:11:02 A menina tem bons modos
01:11:05 e é uma pessoa alegre.
01:11:07 Quando assim é,
01:11:13 Mas tenho a impressão
01:11:17 que não nasci para andar a dias.
01:11:20 Ninguém nasceu.
01:11:23 Antes de abolirmos a escravatura,
01:11:26 bastava que os escravos
01:11:29 para se sentirem felizes.
01:11:33 Depois, a liberdade trouxe-lhes uma
01:11:38 e eles tornaram-se
01:11:41 Hoje, se os queres ver felizes,
01:11:44 dá-lhes apenas um escravo.
01:11:48 O meu sonho é ser artista de cinema.
01:11:52 Complicado.
01:11:54 Convém cair
01:11:58 Isso é para os kung-fus.
01:12:02 Estava a referir-me aos agiotas
01:12:05 aos turiferários do horror.
01:12:09 Uns tantos que têm feito bom dinheiro.
01:12:12 Só conheci um chamado Deus.
01:12:15 Não sei quem é.
01:12:18 É um grande intrujão.
01:12:20 Com um nome desses o que é
01:12:24 Mas ao princípio
01:12:26 falinhas mansas de enganar
01:12:29 A única coisa que ele queria
01:12:32 Nesse particular não é o único.
01:12:35 Por estranho que possa parecer,
01:12:37 essa rapaziada trata da vidinha
01:12:40 a lamber botas e a chorar por mais.
01:12:43 Este era mais do estilo de lamber
01:12:46 - E a menina deixava?
01:12:50 Apresentava queixa.
01:12:52 Mas eu gostava. Até era bom!
01:12:56 As opiniões dividem-se:
01:12:58 já ouvi dizer que faz bem
01:13:01 e já ouvi dizer que faz mal.
01:13:04 A mim, não me aquenta
01:13:07 É com a subjectividade
01:13:11 - O senhor Vuvu nunca fez?
01:13:16 Menina Jacinta,
01:13:21 Nunca desceria tão baixo.
01:13:24 Mas o senhor disse-me
01:13:26 Fui casado com uma dama branca.
01:13:29 Em 23 anos
01:13:31 e 23 dias
01:13:35 nunca entretive com a minha esposa
01:13:40 Minto.
01:13:42 Que me lembre,
01:13:44 houve uma vez,
01:13:47 uma só vez,
01:13:49 que a minha Hortênsia caiu à cama
01:13:55 e me suplicou que, de olhos vendados,
01:13:59 Ihe introduzisse um supositório
01:14:03 " Não é aí",
01:14:05 exclamou, gemebunda.
01:14:11 No meio daquela grande aflição,
01:14:13 havia-me enganado,
01:14:16 mas o meu erro foi de pronto reparado
01:14:20 Ao cabo de dois dias
01:14:25 Afora esse percalço motivado
01:14:29 guardámos sempre um estado virginal
01:14:33 e uma felicidade duradoira,
01:14:37 até ao dia...
01:14:51 O meu Chico anda sempre
01:14:54 E a menina como procede?
01:14:56 Trato-lhe da saúde, que é
01:14:59 E se não anda na linha, daqui
01:15:01 Tchora Tchico, volta o cu
01:15:05 Fica logo como um cordeirinho.
01:15:11 Olhe, menina Jacinta,
01:15:15 nós íamos para os verdes prados
01:15:20 aspirávamos o perfume das flores.
01:15:23 Ai flores...
01:15:26 Apanhávamos conchinhas
01:15:30 ou brincávamos com as salsas ondas
01:15:34 recebíamos principescamente
01:15:39 descascávamos ervilhas
01:15:41 e, sempre enamorados,
01:15:45 fazíamos o bem sem olhar a quem.
01:15:49 Está a reinar comigo.
01:15:51 Eu não reino, menina Jacinta,
01:15:54 e se reinasse
01:15:57 Mas também não podia obrigar ninguém
01:16:02 O que dá gozo a uns
01:16:07 Eu sou um homem inteiro e tolerante,
01:16:11 mas nada poderá abalar
01:16:14 Se nunca provou não pode saber.
01:16:18 Nasci como o deus-menino
01:16:23 O meu instinto dispensa-me
01:16:25 de satisfazer apetites efémeros
01:16:30 Pronto! Acaba-se aqui a conversa.
01:16:33 É um picha fria, já percebi.
01:16:35 Como queira.
01:16:40 O Deus até lambia
01:16:43 O monstro!
01:16:45 Para além de porco,
01:16:49 em que a mulher se encontra
01:16:52 Ele achava que era quando o grelo
01:16:55 e preparado para as danças,
01:16:58 aquilo a que ele chamava
01:17:03 Christ follows Dionysus,
01:17:06 Phallic and ambrosial
01:17:11 Verifico com alegria
01:17:15 Esses cultos antigos foram chão
01:17:19 Todavia, o poeta que escreveu
01:17:23 também deve andar por aí,
01:17:25 submerso em pó,
01:17:27 submerso em pranto.
01:17:32 Depois dos minetes,
01:17:36 Horas e horas a fio,
01:17:38 com as armas e os barões assinalados
01:17:42 Que seca!
01:17:43 Mas o pior era quando ele se punha
01:17:46 e começava a arrotar postas
01:17:49 "Só sabem é fazer olhinhos
01:17:52 "julgando-se belas, talvez.
01:17:54 " É por estas e por outras que o cinema
01:17:59 Nós começávamos a fazer beicinho
01:18:02 completamente destroçadas.
01:18:05 Era então que sobrevinha a fúria.
01:18:08 Parecia fora de si, transfigurado
01:18:11 os olhos raiados de sangue.
01:18:14 Dava-lhe uma na veneta
01:18:19 " Nunca terão o garbo da Greta
01:18:24 Um tiranete pouco estimulante,
01:18:29 Nunca vi cheta.
01:18:31 Eu era para fazer o papel
01:18:34 O quê?
01:18:37 Ele dizia que era um papel talhado
01:18:40 feito à medida,
01:18:42 Em Freixo de Espada à Cinta
01:18:46 Sua mãe, dona Jacinta,
01:18:50 Mas o Camões não nasceu em Freixo
01:18:53 Essa é a terra do Junqueiro.
01:18:55 " Estou-me cagando e borrifando
01:18:58 barafustava ele.
01:19:00 "O que interessa neste filme
01:19:03 é o lugar do negócio."
01:19:06 E essa bodega foi vista,
01:19:09 Nunca se fez.
01:19:12 que o trombeiro tinha fugido
01:19:15 e ora tinha a mania de fazer filmes
01:19:19 Segundo me contaram, às vezes
01:19:23 Não há nenhuma incompatibilidade,
01:19:25 mas pelos vistos não era nada,
01:19:28 o que, desde logo,
01:19:32 Do que a menina se livrou!
01:19:35 É uma história inacreditável,
01:19:38 daquelas de contar aos seus netos.
01:19:42 Olhe, menina Jacinta,
01:19:45 eu de cinema não percebo patavina,
01:19:48 mas sem a menor pretensão,
01:19:51 talvez possamos ensaiar uma zarzuela.
01:19:57 Gostava de experimentar.
01:20:00 Assim sendo, e sem mais delongas,
01:20:04 começamos
01:20:08 Já me sinto nas nuvens.
01:20:11 Deixe-se flutuar.
01:21:35 Neste passo,
01:21:38 roído de ciúmes, o jovem tipógrafo
01:21:43 tenta impedir que Susana
01:21:45 vá para a geraldinha
01:21:48 com D. Hilarión, o velho lúbrico.
01:21:52 Trava-lhe o passo,
01:21:55 enlaçando-a pela cintura,
01:21:59 mas é repelido.
01:22:07 Tem que me repelir com um gesto
01:22:11 para que eu caia como um tordo
01:22:15 Não se esqueça
01:22:20 está ferida no seu orgulho,
01:22:24 Não tenha medo que não me magoa.
01:22:27 Este nariz é resistente
01:22:31 e está habituado a andar
01:23:05 Agora espume de raiva e subjugue-me!
01:23:09 Salte sobre mim
01:23:11 com o rabo escarrapachado
01:23:15 e maniete-me os pulsos.
01:23:18 Eu não ofereço resistência
01:23:27 Digo:
01:23:29 "Susana, corazón de mi vida,
01:23:35 "tem dó de mim
01:23:40 E eu?
01:23:42 A menina não perdoa.
01:23:45 Está sedenta de castigos,
01:23:48 quer o desgraçado
01:23:52 Tem um brilho
01:23:54 assassino nos olhos,
01:23:57 solta uma gargalhada sardónica
01:24:01 e pespega-lhe um peido no focinho.
01:24:05 Isso faz parte da zarzuela?
01:24:07 Não, mas agora estamos
01:24:12 Não sei se sou capaz.
01:24:15 Vergonha é roubar.
01:24:18 Está a ir muito bem.
01:24:20 Cheia de sainete
01:24:31 Lindo!
01:24:33 - O mérito deve ser das papas.
01:24:38 A menina é um talento abençoado,
01:24:42 uma pérola que desponta.
01:24:45 Peço-lhe apenas
01:24:48 Como?
01:24:50 Basta uma peidoca estrondosa,
01:24:54 daquelas que ribombam
01:24:58 para atingirmos o clima festivo.
01:25:08 Sublime!
01:25:10 E que bem cheirosa,
01:25:12 que invulgarmente perfumada!
01:25:15 Como isto é teatro,
01:25:18 vou fingir que cheira mal.
01:25:22 Tapo o nariz e digo:
01:25:26 - " Ui! que pivete".
01:25:30 O bombardeamento continua.
01:25:33 A vingança é implacável,
01:25:36 a atmosfera torna-se irrespirável.
01:25:40 Ah! Maldita, que com cheiro fétido
01:25:44 me mataste na flor da idade.
01:25:48 Assim vai o mundo!
01:25:51 Digo: " Rosebud",
01:25:55 e exalo o último suspiro.
01:26:00 Não percebi. Diz o quê?
01:26:08 Rosebud.
01:26:14 Botão de rosa, Jacinta,
01:26:17 botão de rosa.
01:31:48 Jorginho, o bem-parido,
01:31:51 Era gordo como um texugo
01:31:54 E tinha forte compleição.
01:31:58 Mamava litros de leite
01:32:01 Nas vacas da região.
01:32:04 Foi educado a preceito,
01:32:07 De forma tradicional.
01:32:10 Daquela santa boquinha
01:32:13 Não vinha sabor a sal.
01:32:16 Quando ainda gatinhava,
01:32:19 Logo se viu ser prendado.
01:32:22 Já sabia o catecismo
01:32:24 Bem de cor e salteado.
01:32:28 Para chegar à universidade
01:32:31 Nem foi precisa paciência.
01:32:34 Todos estavam de acordo
01:32:36 E por unanimidade:
01:32:39 Era, sem dúvida, o Jorge
01:32:42 Um monstro de inteligência.
01:32:45 O rapaz era atilado,
01:32:48 Quiçá com um só senão:
01:32:51 Cuspia caracoletas
01:32:54 E esmagava-as no chão.
01:32:56 Os pais andavam ufanos
01:32:59 Com o rebento promissor.
01:33:01 O Jorge nem lera um livro,
01:33:06 Mal o viu ficou de beiço
01:33:13 Era linda como os amores
01:33:16 E guardava muito guardado
01:33:18 O recatado himeneu.
01:33:22 Tinha a donzela derriços,
01:33:25 Prova real dos feitiços
01:33:29 Apalavrou-se o casório
01:33:34 Para o dia do kippour,
01:33:36 Que é o dia do perdão.
01:33:39 Mas o pai da noiva, onzenário,
01:33:43 Que, no sexagésimo aniversário,
01:33:47 Lhe veio ao caco, à lembrança,
01:33:50 E montou vigia aos jovens,
01:33:53 Antes da santa aliança.
01:33:57 Parecia irrepreensível
01:34:02 Não tivesse o padre cura
01:34:05 Dado com a língua nos dentes.
01:34:08 Só Deus sabe por que bulas
01:34:11 O percalço aconteceu:
01:34:14 São as manhas do dianho
01:34:17 Que mudam o sábio em sandeu.
01:34:21 Em flagrante na missa
01:34:24 O Jorge foi apanhado
01:34:26 A abafar a palhinha
01:34:31 Nas barbas de um Deus irado
01:34:35 Precipitam-se os fiéis,
01:34:40 Para as nádegas do magistrado
01:34:43 Que o sacristão aspergia
01:34:46 Com tremuras no hissope.
01:34:50 Finalmente veio a lume
01:34:54 A vergonhosa lista.
01:34:57 O veneno da perversão
01:35:00 Fora inoculado no Jorge
01:35:02 Por um ricaço fascista
01:35:05 Que, nobre, valsa de pé
01:35:08 E, reles, balsa na mão.
01:35:11 O empertigado arganaz,
01:35:13 Político do tanto-faz,
01:35:16 Réprobo da depravação,
01:35:18 Percebeu que o regabofe,
01:35:22 Era negócio chorudo,
01:35:25 De fartar até mais não.
01:35:28 Não espremeu mais o bestunto
01:35:32 E foi direito ao assunto:
01:35:35 Tenho o globo no papo,
01:35:38 A mina d'ouro na mão.
01:35:41 Tiro daqui, ponho acolá,
01:35:45 Com a finura de quem bebe chá.
01:35:48 Deitou contas à vida o olharapo
01:35:51 E rebolou-se a rir no chão:
01:35:54 Quem tem o rei na barriga
01:35:58 Para uma farra maluca,
01:36:00 Basta-me abrir uma baiuca
01:36:05 Nem preciso duma ditadura
01:36:09 Não há melhor sinecura que carregar
01:36:14 Para ver ao natural, ao vivo,
01:36:17 Uma manicura a comer um pavão.
01:36:22 Diante do Salazar
01:36:27 Enfiava-se esgoto abaixo
01:36:29 E fungava do nariz.
01:36:33 Agora tem mundos e fundos,
01:36:35 Está na maior, como se diz,
01:36:38 E é visto a coçar o escroto
01:36:41 Em ailaifes de ocasião.
01:36:43 Está convencido o patego
01:36:46 ó patego olha a visão!
01:36:49 Que a desagradável coceira
01:36:53 Leve nuvem passageira,
01:36:56 Obra de parasitas
01:36:59 Chatos, lêndeas, piolhos?
01:37:03 Há bom remédio p'rá praga.
01:37:06 Num abrir e fechar d'olhos,
01:37:10 Para eliminar de vez
01:37:14 Que não faz nenhum sentido
01:37:18 Na era da globalização.
01:37:21 Pois é!
01:37:23 Mas os chatos por serem chatos
01:37:28 Parece que às carradas
01:37:33 Não nos vemos livres deles
01:37:36 Com pós de demagogias.
01:37:39 Os chatos por serem chatos
01:37:42 Estão fartos d'ocas democracias.
01:37:47 Por serem chatos os chatos
01:37:49 Querem deixar de o ser,
01:37:52 Mas só param de chatear
01:37:54 Quando o estado-ladrão
01:38:00 Se pelo tempo de antena
01:38:03 Minha lira aflita divagou
01:38:06 Pouco se me dá que a pena
01:38:08 Não dê pena a quem a dou.
01:38:12 Não reneguei o invertido,
01:38:16 Não quis o fado, a malapata,
01:38:20 Que a luz de um raio redentor
01:38:23 Guiasse o psicopata
01:38:25 Pelos caminhos do amor.
01:38:28 Ao tristedesdichado
01:38:31 Faltou o amparo alado
01:38:35 Que de lança em riste o livrasse
01:38:38 Da garra adunca do mal.
01:38:41 O Jorge não tinha parança
01:38:44 E em vez de: " Alto e pára o baile!"
01:38:47 Deixava-se andar na dança.
01:38:50 A noiva, a bela hebreia,
01:38:53 Incauta vítima da odisseia,
01:38:57 Teve um desgosto, uma icterícia,
01:39:00 E via tudo amarelo.
01:39:03 Foi tratada com desvelo
01:39:06 E, sem alertar a polícia,
01:39:08 Evitou-se um suplício,
01:39:11 Pôs-se fim ao pesadelo.
01:39:14 O anormal caiu no vício,
01:39:17 Minado pelo cancro social.
01:39:21 De aí à senda do crime,
01:39:23 Apenas um passo bastou.
01:39:26 Seguiu-se o assalto ao banco
01:39:29 E o terror que semeou.
01:39:33 Estando prestes a concluir
01:39:35 Esta balada infernal,
01:39:38 ó Bárbara perdão te peço
01:39:41 Por depositar como uma queixa
01:39:45 Esta comovida endecha,
01:39:50 À ordem do teu coração.
01:40:21 E cumprindo o dever
01:40:25 Às mão do vil moinante
01:40:28 - há quem o diga -
01:40:30 Esticaram o pernil os bons agentes,
01:40:34 Crivados de balázios indecentes.
01:40:45 Palavras para quê?
01:40:51 O choro lava a alma,
01:40:54 torna a consciência pura.
01:40:57 Sinceramente, gostei.
01:41:00 Tem sentimento.
01:41:02 Antes assim.
01:41:04 Nada iguala a dor de um pai,
01:41:08 tirante o amor de mãe.
01:41:11 Só não percebi uma coisa,
01:41:15 Diga, diga!
01:41:16 Foi quando o senhor João disse
01:41:20 - Eu disse isso?
01:41:24 Se a menina diz que disse
01:41:30 É que eu faço parte das forças
01:41:33 como os das privadas, para zelar
01:41:37 mas de todos por igual.
01:41:41 É no que dão os repentismos.
01:41:44 Ouve-se um disparate que nos fica
01:41:49 e, sem dizer água vai,
01:41:54 a borrar toda a pintura.
01:41:57 Agora, vai ficar a cismar...
01:42:01 Estou revoltado.
01:42:05 A poesia não é um acto de selvajaria.
01:42:09 O que não tem remédio,
01:42:13 A língua portuguesa
01:42:17 É preciso dar tempo ao tempo
01:42:20 e, como quem não quer a coisa,
01:42:23 esperar que a musa
01:42:30 O sarilho que eu fui arranjar
01:42:33 Ora essa! Fez muito bem.
01:42:36 Isto não é o da Joana.
01:42:38 Se cada um dissesse a 1 ª coisa
01:42:44 era um ver-se-te-avias.
01:42:48 à vontade do freguês.
01:42:50 Sem querer, cortei-lhe o pio,
01:42:53 as asas da inspiração...
01:42:57 Deus a deu,
01:42:59 Deus a levou,
01:43:02 mas espalham-se uns pozinhos
01:43:05 executa-se um passe de mágica
01:43:08 e desfaz-se a geringonça.
01:43:18 Só mais uns pozinhos,
01:43:21 e já cá canta!
01:43:24 Manda-se às malvas o estado-ladrão
01:43:28 e tecem-se loas ao estado-polícia.
01:43:32 Não rima,
01:43:34 mas não faz mal.
01:43:37 Mas não é pior a emenda
01:44:00 - Rico filho do meu coração!...
01:44:10 - O bom filho à casa torna.
01:44:13 A besta humana!
01:45:13 Não se amofinem, meus filhos.
01:45:16 Deixem-me mediar a discórdia
01:45:20 com sageza salomónica:
01:45:24 A menina Bárbara
01:45:28 o que calou fundo no meu coração.
01:45:32 O Jorge expiou a sua dívida
01:45:37 Aprendeu com língua de palmo
01:45:42 e, estou convicto, que os erros
01:45:49 Expulsai de vós o rancor acumulado
01:45:53 se quereis ver um pobre velho
01:45:57 Torturou-me
01:46:02 Ser torturado pela menina Bárbara
01:46:05 é o sonho de qualquer aprendiz
01:46:09 Nas partes baixas?
01:46:14 São as pequenas ironias da vida.
01:46:17 Os fanchonos passam bem sem elas.
01:46:20 E o que é que eu tenho a ver com isso?
01:46:25 Toda a gente diz
01:46:29 goste-se ou não.
01:46:33 A minha alma está parva.
01:46:37 Limpaste o sebo
01:46:41 Foi em legítima defesa.
01:46:44 Atiraram logo a matar
01:46:46 e atingiram uma criança que andava
01:46:51 Jogar à bola no meio da rua
01:46:55 Podia ter sido atropelada.
01:46:57 - Foi um acidente.
01:47:03 Se não sabiam disparar
01:47:08 Assassino sanguinário!
01:47:12 Tem graça que a tua mãe,
01:47:14 também me tratava assim.
01:47:17 Psicopata!
01:47:21 O Jorge tem a pontaria afinadíssima.
01:47:26 Deve ser a infalibilidade calvinista
01:47:31 Só é pena que escolha
01:47:34 Fui ovacionado!
01:47:36 É natural.
01:47:38 Dois polícias de pernil esticado
01:47:41 é prato que não se papa
01:47:44 Estou a ferver.
01:47:46 Vou-me embora, antes que faça justiça
01:47:54 Ainda não estou em mim.
01:48:13 Está equivocada, menina Bárbara.
01:48:19 Isto é tudo boa gente:
01:48:21 séria e transparente.
01:48:24 Dissabores, quem os não tem?
01:48:28 Tenho a certeza de que ainda
01:48:32 Espero bem que sim.
01:48:34 A menina devia saber
01:49:02 - Viste passar uma mulher-polícia?
01:49:05 - Para que lado é que foi?
01:49:07 Para cima?
01:49:21 Que raio de história era aquela
01:49:25 Nunca te cantaram a canção
01:49:38 Não é com vinagre
01:49:44 Estou mais dado a extravagâncias
01:49:46 do que a grandes cavalarias.
01:49:48 Por mim até pode ficar com ambas.
01:49:53 Para quem esteve tanto tempo
01:49:57 talvez não te fizesse mal
01:50:02 Não estou interessado.
01:50:05 Ninguém te obriga.
01:50:07 Se não queres, não queres.
01:50:11 Àquela hora foi
01:50:15 As melhores já estavam ocupadas.
01:50:18 E não penses que estas foram baratas.
01:50:20 O pai sempre gostou
01:50:24 A agente da polícia era à borla
01:50:27 e dava e sobejava para os dois,
01:50:30 cassetete incluído.
01:50:34 Recordo-me de uma canção francesa
01:50:40 "Ver o umbigo da mulher dum chui
01:50:45 "Qui, du point d' vu' de l'esthétiq',
01:50:48 "Puiss' vous élever au pinacle..."
01:50:52 Mas esta não é mulher
01:50:55 É uma verdadeira valquíria
01:51:00 Abusa da autoridade,
01:51:03 pratica sevícias?
01:51:05 Claro que não posso achar bem.
01:51:07 Sempre condenei
01:51:11 Havias de ter conhecido
01:51:14 que, com a parte de fora da mão,
01:51:17 me deu um golpe de jiu-jitsu
01:51:21 que me deixou verde.
01:51:23 - O que é que o pai tinha feito?
01:51:27 Estava grosso como um cacho
01:51:30 e limitei-me a dizer que nunca tinha
01:51:34 Era realmente feia como os trovões,
01:51:39 A Bárbara é um caso diferente.
01:51:42 Já te passou pela cabeça
01:51:45 o pesadelo que é uma rapariga
01:51:50 e cair logo no meio
01:51:54 Para não ser segregada,
01:51:57 para lutar pela igualdade
01:52:03 só tem uma única saída:
01:52:06 ser mais papista do que o papa,
01:52:09 mais polícia do que um esquadrão
01:52:13 Também costumava dizer que um polícia
01:52:17 Isso era uma frase dum filme
01:52:22 A cop is always a cop.
01:52:26 E depois?
01:52:28 Sabes muito,
01:52:31 o cárcere é a melhor das escolas,
01:52:36 mas já que estamos
01:52:39 não vais daqui sem ficar
01:52:46 Nunca...
01:53:22 Diz-me:
01:53:25 Quando vais com um cliente,
01:53:28 Não. Não é preciso.
01:53:33 Temos que te arranjar
01:53:37 Parece que na Alemanha
01:53:40 que até dão para dançar o tango.
01:53:42 Não serão as gâmbias da Marlene,
01:53:45 mas podes fazer a tua vida
01:53:48 O pior é o dinheiro.
01:53:51 Falas aqui com o Jorge,
01:53:55 Para fazer render o peixe
01:53:58 O que não falta
01:54:03 Mera curiosidade:
01:54:05 Como é que se faz
01:54:07 para engendrar um desfecho
01:54:43 Pode atingir altas velocidades.
01:54:46 E não tens tonturas?
01:54:48 Às vezes, mas passam-me logo
01:54:53 E assim se transmuta
01:54:58 Não há como as leis da física
01:55:44 Das tarântulas livrámo-nos nós,
01:55:47 mas ainda tenho a cabeça cheia
01:55:52 Aliás, não se nasce português.
01:55:55 Fica-se português.
01:55:58 É o atavismo! É o atavismo!
01:56:04 Para quem acabou de sair do inferno,
01:56:14 As prisões são um pavor.
01:56:17 Com a proliferação
01:56:21 extinguiu-se o ensinamento
01:56:25 Hoje em dia é-se preso por dar cá
01:56:30 As celas, onde outrora reinava
01:56:35 foram infestadas por uma ralé
01:56:40 De facto, o crime já não compensa.
01:56:44 Uma coisa aprendi:
01:56:45 Quero ser uma pessoa de bem,
01:56:50 Nem te permitiria
01:56:54 Ficam as feridas.
01:56:58 Haverá sempre cães que ladram,
01:57:01 mas a caravana há-de passar.
01:57:04 Damos a volta ao mundo,
01:57:07 damos a volta à vida
01:57:10 e serão imperceptíveis as cicatrizes
01:57:13 que o tempo sarou.
01:57:18 Se o Dostoievsky tivesse sido
01:57:22 talvez fosse uma perda irreparável
01:57:26 mas tinha-se ficado a rir
01:57:31 Seja como seja,
01:57:33 estás cheio de futuro,
01:57:36 tal qual eu estou cheio de passado.
01:57:39 O pai não tem que se preocupar.
01:57:41 Enquanto eu tiver dois braços
01:57:44 Há lares onde pode passar o resto
01:57:48 rodeado de todo o conforto.
01:57:50 Estás-me a ver a viver às tuas sopas
01:57:54 a aturar velhos decrépitos
01:57:59 Devo sofrear o riso
01:58:04 Há quem acabe numa sarjeta.
01:58:08 Pois há,
01:58:10 mas esse fim não está
01:58:13 Presumo que cultivaste o gracejo,
01:58:17 o que não é um mal,
01:58:21 estou curioso por saber onde é
01:58:26 Estou a falar a sério.
01:58:30 Ai estás? Tanto melhor.
01:58:33 Todo eu tremo com o abalo ao pífaro
01:58:38 Entretanto,
01:58:41 talvez te possas enforcar
01:58:45 Dou-te, todavia, um conselho paterno:
01:58:49 Foge da sociedade
01:58:52 como o diabo foge da cruz.
01:58:55 A única sociedade que deves fazer
01:58:58 Devia ter vergonha.
01:59:03 Estás redondamente enganado.
01:59:06 Nunca me vi a viver espapaçado
01:59:09 Eu sei que pode viver
01:59:12 mas deixe-se de balelas da guerrilha
01:59:16 Já me deixei disso,
01:59:21 Agora tenho andado a magicar
01:59:23 de pequenas comunidades mestiças,
01:59:26 disseminadas por aqui e por acolá,
01:59:32 Contra todos os fogos, o fogo,
01:59:36 o meu fogo.
01:59:38 Tretas.
01:59:40 O pai é a pessoa mais conservadora
01:59:43 Quando descobrirem as suas deliciosas
01:59:47 mas admito que nos enganou a todos
01:59:50 que nem sequer se esqueceu
01:59:55 Voici le temps des assassins.
01:59:58 - Estou estupefacto.
02:00:02 No seu género, é um imenso artista:
02:00:05 Serve-se dos seres humanos para
02:00:08 e tem um absoluto desprezo por tudo
02:00:11 O dinheiro é-lhe essencial para vestir
02:00:21 "Vaidade das vaidades,
02:00:24 - Acabaste a parlenda?
02:00:28 Para deixar tudo em pratos limpos,
02:00:32 Fiz uma doação de todo o pecúlio
02:00:36 Eis a verdade nua e crua.
02:00:39 Nua e crua?
02:00:41 Margaritas ante porcus.
02:00:45 Devo dar crédito
02:00:48 Terei gerado um cretino?
02:00:51 ó minha besta:
02:00:53 não percebes que te fizeram
02:00:56 Que essa cáfila
02:01:00 Acho melhor irmos dormir.
02:01:07 Gostava de ver o Oceanário,
02:01:15 Ena, Jorge! Tanto peixinho!
02:01:33 Pai!
02:01:36 Que vá chamar pai a outro.
02:02:12 O anúncio era explícito:
02:02:15 - Mulher-a-dias precisa-se.
02:02:21 Sou a Urraca.
02:02:23 Ai é?
02:02:28 A julgar morreu um burro.
02:02:31 Por onde é que começamos?
02:02:39 Pela barba?
02:03:07 A pelagem cobre-lhe o corpo todo,
02:03:11 como a dos orangotangos?
02:03:15 Só na cara e no baixo-ventre.
02:03:19 No resto sou glabra, como as demais.
02:03:23 São assimetrias regionais,
02:03:26 provavelmente
02:03:32 Estava-me a esquecer:
02:03:34 também
02:03:41 Se o povoamento piloso cobrisse
02:03:46 podia obstruir a respiração subcutânea
02:03:50 ou criar dificuldades de adaptação
02:03:54 Não sendo o caso,
02:03:56 as novas tecnologias depilatórias
02:04:00 eliminam capazmente a desabrida
02:04:05 sem prejuízo do recurso
02:04:08 às velhas tesouras
02:04:11 e navalhas de barba.
02:04:14 Não sabia.
02:04:16 A informação sobre os cuidados
02:04:20 é inexistente, como de costume.
02:04:56 Agora vamos dar um passeio
02:05:04 Tire as calças.
02:05:43 Senhor João!
02:05:46 Olhe que eu sou sáfica.
02:05:48 Só gosto de mulheres.
02:05:51 Eu também,
02:05:54 sendo seráfico.
02:05:56 Deve ser
02:06:02 As nádegas são níveas.
02:06:06 E as pernas esbeltas
02:06:09 e bem torneadas.
02:06:13 Tem conserto?
02:06:16 Deixe-me pensar.
02:06:47 O revestimento dianteiro
02:06:52 com um debrum de cordões de pérolas
02:06:57 mas é dispendioso e pouco prático.
02:07:02 Eu sugeria
02:07:05 algo mais leve e grácil,
02:07:09 tipo avental
02:07:14 ou mini-saia.
02:07:19 E a madeixa de trás?
02:07:31 Não sei o que lhe diga.
02:07:34 Aí é que a porca torce o rabo.
02:07:41 Quando eu era pequenina,
02:07:45 o meu paizinho deitava-me no berço
02:07:50 e passava docemente,
02:07:53 docemente os dedos sobre ela
02:07:57 Os rapazes, na rua,
02:08:00 davam-lhe puxões
02:08:05 ou faziam troça:
02:08:07 " Pendente leva a Urraca
02:08:10 " Um rabo-leva no cu.
02:08:12 " No rabo-leva só leva
02:08:15 " A caca de Belzebu."
02:08:17 Eu ia-me a eles
02:08:20 a chorar de raiva
02:08:24 " Não me cortem o cabelo
02:08:48 Se a menina não fosse sáfica,
02:08:52 fazia-se uma trança bem enteiriçada,
02:08:56 dava-se-lhe meia volta
02:08:59 e afinfava-se na passarinha.
02:09:10 Dado que o é,
02:09:13 estou em crer que seria
02:09:20 Um bandó?
02:09:23 Não digo que não,
02:09:26 mas se fosse a si
02:09:37 As recordações da infância
02:09:41 são sagradas.
02:10:04 E o que é que se faz
02:10:08 Deita-se para o lixo?
02:10:10 Nem sonhe.
02:10:16 Dá para encher um travesseiro
02:10:19 e morrer abraçado a ele.
02:10:39 Que engraçado!
02:10:42 Tive uma mulher-a-dias
02:10:44 chamada Adriana
02:10:47 que era, sem tirar nem pôr, a Urraca.
02:18:03 Tu aqui não te governas.
02:18:59 Sabes o Rei dos Álamos?
02:19:01 Não. Essa não sei.
02:19:03 Quando tinha a tua idade
02:19:08 - Que idade tens?
02:19:12 Talvez faças, talvez não.
02:19:17 Por mim, fazias.
02:22:07 Não sei o que isto é. Segura.
02:22:10 Tem muito sangue. Muito sangue.
02:22:12 Aspirador.
02:22:14 - Pulso e tensão estão bem?
02:22:18 - Não sei o que isto é.
02:22:24 A pinça mais comprida.
02:22:28 É muito grande.
02:22:32 Temos que abrir o esfíncter.
02:22:39 Cuidado com a lâmina. Tesoura.
02:22:44 Afasta bem. Isso.
02:22:47 O sangue está a correr.
02:22:49 Não se vê nada. Pinça comprida.
02:22:59 Temos o doente a ficar hipotenso.
02:23:02 Mais sangue.
02:23:06 Pega desse lado.
02:23:10 Não estou a ver nada.
02:23:13 Puxa daí.
02:23:16 Aspirador.
02:23:19 Ponham mais força no aspirador,
02:23:22 Já está a começar aqui a aparecer
02:23:26 Puxa bem, afasta.
02:23:31 Está preso em qualquer sítio.
02:23:36 Pinça comprida.
02:23:50 Os guardas e os oficiais
02:23:53 Iançaram fora os cadáveres.
02:23:56 Penetraram
02:24:00 retiraram o ídolo e queimaram-no.
02:24:04 Derrubaram a estela de Baal
02:24:09 transformando-o em cloacas
02:24:42 Margarida, um afegão é entrevistado
02:24:47 por um jornalista da CNN.
02:24:49 O jornalista:
02:24:51 "O que é que vão fazer depois
02:24:55 O afegão: "Vamos dar graças a Alá".
02:24:58 "Se este nos enviar os filhos
02:25:02 "é porque são bons para comer."
02:25:04 Jornalista: " Pode ser que sejam
02:25:08 O afegão: " Pode,
02:25:10 " mas Alá não sabia
02:26:03 Diz o afegão para a afegã:
02:26:06 "O que vai ser de ti
02:26:09 A afegã: " Não te preocupes.
02:26:11 "Vou servir para um McMamud's".
02:30:28 Então? Deite-se para trás,
02:30:32 Para se acalmar um bocadinho.
02:30:48 Pronto.
02:31:21 Agora já dorme mais descansado.
02:31:25 A sua perna para dentro.
02:31:38 Posso apagar?
02:31:48 Senhor Vuvu,
02:31:50 vamos ter que aguardar
02:31:52 para avaliar melhor
02:31:58 Por enquanto,
02:32:01 O ânus, já se sabe,
02:32:05 bananas, anonas, kiwis
02:32:08 e vegetais tais como nabos,
02:32:12 beringelas, quiabos, endívias e...
02:32:15 ... " rabanetes".
02:32:18 Mas nunca, em circunstância alguma,
02:32:23 um pénis
02:32:25 com as dimensões
02:32:31 Pas de plaisir sans penis.
02:32:34 Boa tarde.
02:32:53 Está bom?
02:33:39 São boas?
02:33:42 Tem de ir comendo
02:33:55 Ele come tudo,
02:33:57 ele come tudo e não deixa nada.
02:34:10 Quer um pouquinho de água?
02:34:20 Beba devagarinho
02:35:02 ó Emília,
02:35:04 não me descobre aí
02:35:08 - Veja lá, não há pois não?
02:35:11 Não tem.
02:35:42 Mais um bocadinho?
02:36:08 Veja lá se quer parar um bocadinho?
02:36:18 O senhor João sabe perfeitamente
02:36:22 e o seu estado não permite abandonar
02:36:29 Já paguei a conta,
02:36:31 aliás exorbitante
02:36:35 e assinei um termo
02:36:38 Não devo nada a ninguém.
02:36:40 Mas tem consciência do que vai fazer?
02:36:43 Nunca estive tão lúcido.
02:36:46 Está um dia lindo e seria
02:36:52 Prefiro agonizar ao ar livre.
02:36:54 Já não suporto o cheiro a clisteres.
02:36:57 Mas não tem ninguém que trate de si?
02:37:02 Não tenho família
02:37:05 e, para acabar
02:37:08 não sou amigo de ninguém.
02:37:11 É triste esse viver.
02:37:13 É o viver do olho do cu
02:37:18 Olhe, Emília,
02:37:20 gostei de a ter conhecido
02:37:23 e mais gostaria se antes de partir
02:37:28 permitisse
02:37:31 Sente-se capaz?
02:37:33 Não seria o primeiro doente
02:39:20 - Bom dia, João!
02:39:24 Onde estás que não te vejo?
02:39:27 Sentada na árvore,
02:39:30 A fazer o quê?
02:39:32 É proibido trepar às árvores.
02:39:35 Ando às bagas, mas não apanhei
02:39:40 Não é o tempo delas.
02:39:44 Sou a Dafne.
02:39:46 Não te conheço.
02:39:48 Eu, sim. Vejo-te todos os dias,
02:39:54 Pode ser distracção minha.
02:39:58 Moro na casa da esquina
02:40:02 Estranha forma de namorar.
02:40:05 Deves ser fresca.
02:40:08 Sou casada. É um casamento banal.
02:40:12 E tenho uma filha, a Verónica.
02:40:15 Por que é que não a trouxeste?
02:40:19 É muito pequena,
02:40:22 Vim sozinha, vim por vir,
02:40:25 Uma mão cheia de nada,
02:40:29 Gostava de ir ter contigo,
02:40:31 mas com o cu neste estado
02:40:34 quanto mais trepar à árvore.
02:40:37 Não quererás tu descer,
02:40:41 Só te posso dar a minha sombra.
02:40:53 "Quando fores ter com a tua amada,
02:46:18 Transcrição: Alexandre Bettencourt
02:46:21 Legendagem: